Carregando agora

Não me olhem comendo…

Assim como as devotas católicas de antigamente se benziam ao badalar do sino às 18h, num ritual tradicionalmente aceito como detentor de poderes sobrenaturais, percebo que alguns e algumas estudantes, quando descem os alunos e as alunas da antepenúltima faculdade, retiram de suas bolsas depósitos com comida.

Eu, que descia na penúltima faculdade, diariamente presenciei essa repetição sem ao menos compreender os significados possíveis daquilo. Foi quando realmente tomei posse do sentido. A retirada e o começo da alimentação em si ocorriam devido a busca de escapar da avaliação sobre a comida empreendida por terceiros.

Naquele momento, diariamente, quando o ônibus se encontrava com poucos alunos, os alunos e as alunas que desciam na última faculdade começavam o ritual: as bolsas eram abertas e os cheiros de comidas tomavam conta do ônibus.

Na realidade, os alunos e as alunas só começavam a comer a partir daquele instante porque fugiam da avaliação do olhar do outro podia empreender. Se protegiam. Numa sociedade profundamente desigual, a tipologia da comida também se constitui em critério de pertencimento de classe.

Sendo assim, buscavam a privacidade. Na distância dos olhares do outro, podiam comer à vontade, sem serem enquadrados em pensamentos classificatórios. Quase todas as pessoas participam da permanente luta de demonstração dos melhores signos de status, ao menos aquelas que não tem nada para comer, que, embora livres da avaliação do outro, faz a sua própria avaliação e avalia os outros.

Share this content:

Publicar comentário